Não se pode especificar a origem do consumo do bacalhau na consoada dado que são poucas as referências em obras etnográficas ou mesmo na literatura, no entanto, o fiel amigo tem vindo a fazer parte da magia natalícia pela nossa história fora.
Na Idade Média, dado o calendário cristão obrigar a cumprir-se o jejum perto das principais de festividades religiosas e igualmente por ser proibido o consumo de carne neste período, os portugueses começaram a consumir o peixe e, mais tarde, o bacalhau seco, que era de fácil acesso em qualquer parte do país, tornando-se no rei do Natal.
Ramalho Ortigão descreve no seu livro “Natal Minhoto” a riqueza de uma mesa de ceia de Natal no Norte do país apesar de, nesta altura, a sua confeção ser mais próxima ao “Bacalhau à Provençal” que também é descrito por Lucas Rigaud, cozinheiro real, em 1780.
Existem, a partir daí, várias referências a este prato, que passam pelo bacalhau acompanhado por hortaliças descrito por Ferra Júnior; à “A Noite de Natal no Porto” de Assis de Carvalho que revela a proximidade da família nesta altura do ano na companhia do peixe; assim como em 1923, Santos Graça em “O Poveiro”.
Esta tradição ter-se-á iniciado a Norte do país dado que em outras regiões preferiam uma consoada menos magra com o uso de carnes como o peru ou mesmo o porco, que interrompiam o jejum após a Missa do Galo.
No início do século XX, a tradição no Alentejo era o porco, no Funchal o porco, uma canja e cálice de vinho na madrugada na consoada, a Norte a acompanhar o bacalhau, um polvo.
Passada a revolução de 1820 os restaurantes e casas de pasto passaram a generalizar a utilização do bacalhau, tornando-se este quase obrigatório para qualquer refeição social, tertúlia ou convívio.
A vulgarização desde consumo parece ter surgido após a Segunda Guerra Mundial dado o abastecimento de bacalhau ser regulamentado pelo Estado Novo. Tendo o bacalhau chegado, desta forma a todo o país, também a televisão impulsionou a propaganda do regime que refletia neste prato a humildade e simplicidade que deveria ser a mesma do povo português.
Hoje, a reunião da família exige, obviamente, uma refeição reforçada. Em contraste com a origem modesta deste prato, combina com a origem da própria palavra “Consoada”, que do latim “consolata” significa, consolar.
Também conhecido como “Bacalhau com Todos”, esta receita não inspira nem necessita de grande inovação. A qualquer altura do ano traz a qualquer português o conforto da tradição, mas, é na consoada de Natal que o sabor da união o torna tão especial. No dia 24, onde quer que esteja um português, qualquer que seja o fuso horário, o bacalhau será sempre o fiel companheiro.
Consoante a região, as couves usadas são diferentes e pode-se acrescentar o tão nortenho molho de azeite e vinagre.
Cozem-se postas de bacalhau alto bem demolhado juntamento com as couves pencas (couve portuguesa). À parte, cozem-se as batatas com a pele e, igualmente à parte, um ovo por pessoa. Na altura de servir, descascam-se os ovos e pelam-se as batatas. Serve-se tudo junto ou em recipientes separados. Deve-se preparar tudo à última da hora para que seja servido bem quente.
Preparação do molho: Leva-se ao lume uma porção de azeite – cerca de 0,5 dl por pessoa – com alguns dentes de alho abertos ao meio. Quando levantar fervura, retira-se do lume e junta-se um pouco de vinagre. Serve-se numa molheira.
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